Os textos são da minha autoria excepto quando explicitamente mencionado e as imagens são na sua maioria retiradas da internet.

@lexis

30 de outubro de 2010

"íssimo, íssimo, íssimo, Cansaço"

Sempre que chego ao limiar da resistência, lembro de um poema em que sinto “Um supremíssimo cansaço, Íssimo, íssimo, íssimo, Cansaço…” a tomar conta de mim. E mesmo que este cansaço não seja “sequer de tudo ou de nada” é sinal que é de tudo um pouco. É feito daquelas pequenas coisas que se juntam para uma tempestade em crescendo. É a gota de água prestes a cair no copo que o vai fazer transbordar. É o passo em frente que se dá quando no penhasco se falha o final do caminho. É o não conseguir olhar em frente porque por curto que o caminho seja parecem milhas por percorrer. É erguer de madrugada com o peso do mesmíssimo cansaço impregnado nos ossos. É deixar a água escorrer pelo corpo num duche a um tempo eterno por nos deixar intemporais mas breve porque o relógio não pára. É sentir aquele nó quando se fecha os olhos e se pensa “Ah merda, Porque eu quero tudo, ou um pouco mais, se puder ser, Ou até se não puder ser...” Tudo junto com “Os amores intensos por o suposto alguém” fazem o íssimo que Pessoa coloca na pena de Álvaro e eu sinto como meu múltiplas vezes.


[devaneio em redor do poema de Álvaro de Campos, "O que há em mim é sobretudo cansaço" excertos em itálico, que pode ler na íntegra aqui]

16 de outubro de 2010

Excerto de um alter ego num outono qualquer

Todos os dias se cumpre o mesmo ritual: subir a correr os 4 lances de escadas de madeira; abrir com um barulho ensurdecedor a fechadura de trancas que isola o apartamento da violência da cidade. Voltar a fechá-la com as 4 voltas à chave. No caminho ao longo do corredor sai um sapato, depois outro, de seguida as calças, depois o resto da roupa que se amontoa ao longo do caminho até chegar à sala. Liga a aparelhagem e ouve-se um som ambiente. Chega ao quarto e a casa de banho é logo ao lado. Com um elástico prende os cabelos e o barulho da água a cair do chuveiro conjuntamente com a música deixa lá fora tudo o que é ruim. De volta ao princípio da casa já confortavelmente vestida apanha a roupa e coloca-a no cesto da roupa na cozinha. O telefone está mesmo ao lado ... pizza para o jantar. Casa à média luz do final da tarde daquele outono. Um chá acabado de fazer aquece as mãos e pelo meio do vapor vindo da chávena, observa o rio ao fundo da rua e o por do sol. Nada de mais calmo. Tocam à campainha. Pizza. Ligo o computador e entro na minha segunda vida...

12 de outubro de 2010

Sabem?

Sabem daquele único pôr-do-sol que lembraremos até cerrarmos os olhos para sempre? Sabem daquele cheiro a terra molhada de madrugada e o ar limpo que se nos entranha até à alma? Sabem daquela sensação estranha quando se pisa a relva molhada no primeiro dia de primavera? Sabem daquele gosto acre das azedas que se colhiam pelos campos que ficava para além do que julgávamos possível? Sabem daquele som do marujar do mar de encontro à areia e nós ali deitados de ouvido colado ao chão? Sabem daquele odor da pele do nosso bebé quando o encostamos à nossa pele? Sabem daquele olhar cheio que só a nossa mãe tem e que lembraremos para sempre? Sabem daquele roçar leve das costas das mãos em outras mãos que nos incendeia o corpo como se fora uma tocha? Sabem do sabor daquele beijo que aconteceu sem saber como nem porquê, apenas … foi? Sabem daquela melodia que reconhecemos aos primeiros acordes porque nos acompanha há anos sem fim? ... Sabem ?

1 de outubro de 2010

Opções

Desde que nascemos, acordamos, falamos, tudo na vida é feito de opções. Se olharmos para trás e observarmos cada momento das nossas últimas 24 horas ou um dia em particular que nos tenha marcado pela reviravolta que deu na nossa vida, nunca saberemos a que caminho a outra opção nos levaria. Mentes complicadas que têm a mania de questionar tudo e mais alguma coisa… Ultimamente uma questão tem surgido na minha cabeça recorrentemente: “Do you want to be right or do you want to be happy?” A razão de ser do inglês é pelo duplo sentido do verbo e a frase não parece ter a mesma “piada” em português – “Queres ter razão ou queres ser feliz?”. Mas é, no fundo uma questão de opção. E quando o orgulho é um entrave na tomada de decisão, a opção parece a cada dia que passa ser mais difícil… Porque quero ser feliz (Quem não quer?) mas tenho razão… e agora?

22 de setembro de 2010

Em cacos

“Até me doerem são só palavras” pensava eu incoerentemente enclausurada dentro de mim. Depois da dor se fazer sentir algo se partiu. Nunca gostei de louça colada e as únicas peças que tenho em casa coladas não são sequer minhas. Verdade que já parti muita louça, mas recuso-me a colar seja o que for!

“Ninguém é de ninguém”, é cliché de sobremaneira! “Meu…” soa hoje a verdade, por incontestada. Quando até o descanso dos que se degladiam com palavras é anunciado ao mundo, serão só palavras… mas hoje doeram!

6 de setembro de 2010

Morpheu

Nem ela sabia bem o que esperava encontrar quando se sentou em frente ao mar aguardando por um barco que talvez nunca chegue. Tinham-lhe dito que nesse dia um barco traria o que ela ansiava. Tinha esperado 15 anos por aquele dia desde aquela noite em que o sonho lhe tinha falado. Teria sido mesmo um sonho? Ou seria efeito da febre que não a tinha largado ao longo de meses intermináveis? Só sabia que aquele sonho se repetia de cada vez que os olhos se fechavam e mergulhava nos braços de Morpheu. Uma voz sem rosto repetia-lhe as mesmas palavras proféticas. Tinha esperado e desesperado, sonhado e tido pesadelos, falado e calado a esperança de uma vida. Julgava tudo um delírio até ter tido mais tarde várias visões premonitórias que lhe diziam que mais valia esperar e ver no que daria aquela ansiedade. Só quando começou a acreditar de facto naquelas palavras é que a febre tinha começado a baixar. Isso tinha que querer dizer alguma coisa, não?

Tinha chegado finalmente o dia. Fez uma mala pequena. Vestiu uma roupa quente, apanhou o primeiro autocarro para algum lado indo desembocar naquela praia e chegou lá quando o sol se começava a por. Era lindo de ver aquele misto de cores reflectidos num mar chão. Quase que podia imaginar uma sereia penteando os cabelos naquela rocha, e o pai Neptuno a chamá-la para dentro, para longe dos olhares curiosos dos humanos. Imaginava-se a mergulhar naquelas águas ainda mornas do sol de outono e segui-los até às profundezas do mar onde provavelmente sumiriam da sua vista e ela finalmente se perderia naquela imensidão de rochas e plantas. Aguardava. Sentou-se numa rocha, joelhos dobrados em frente ao corpo, xaile a cobri-la da cabeça aos pés. Quem olhasse de longe julgá-la-ia uma rocha, não fossem as franjas do xaile ao vento, misturadas com os longos cabelos que se lhe escapavam do xaile. Anoitecia e nada acontecia. O sono ameaçava. Para o poder despistar, ergueu-se e caminhou ao longo do mar. Descalça, o frio ameaçava enregelar mas os pensamentos aqueciam-na por dentro. Caminhava sem destino ao longo de uma praia imensa enquanto o sol se punha do seu lado direito e o frio chegava finalmente.

O facto de ele fazer a mala e sair de casa num final de tarde sem dar explicações não abonou nada em favor da sua sanidade mental. Apenas algo lhe dizia que tinha de ir ‘lá’. Onde, não sabia. Tinha a sensação que conforme caminhasse, o próprio caminho se desenharia à sua frente. Sabia que tinha que ir aquecido porque algo lhe dizia que ‘lá’ estaria frio. Podia levar o carro, mas por algum motivo não lhe parecia o mais correcto. Saiu de casa com uma pequena mala. Enquanto caminhava, os pés guiaram-no a uma paragem. Apanhou um autocarro, julgando que seria uma questão de sorte, de destino, se aquele fosse o correcto. Adormeceu por algum tempo. Alguém o abanou dizendo que era a última paragem. Ergueu-se feito autómato e saiu. Não conseguia ler o letreiro da localidade. A única luz provinha do por do sol em frente, numa praia imensa. Encolheu os ombros - um passeio pelo areal até lhe faria bem. Descalçou-se. Sentiu a areia ainda morna nos pés - tinha chegado. Onde e para quê não sabia, mas tinha chegado. Encaminhou-se para a beira-mar. iniciou a sua caminhada com o coração acelerado pela emoção. Do seu lado esquerdo o sol desaparecia. Sentia uma ânsia indescritível, com uma vontade imensa de correr em direcção a qualquer lado.
 Quanto mais caminhava mais o seu coração batia, cada vez mais descompassado. O frio começou a passar. O xaile caiu e só o vestido comprido traía a sua condição de humana. Sem ele, pareceria sereia feita humana por algum amor agora desaparecido. Tinha tanta vontade de entrar mar adentro e respirar debaixo de água... Ajoelhou-se junto á água. Sentia o frio penetrar pelo corpo. Já nada importava. De que lhe servia ter vindo? Nada aconteceria, como nada até hoje tinha acontecido na sua vida monótona. Lentamente, acompanhando o seu crescente torpor causado pelo frio, começou a conseguir lembrar-se dos seus sonhos. Recordava um rosto firme, uns olhos negros e profundos que a observavam como se a conhecessem desde sempre. Ao mesmo tempo que se sentia desfalecer quase ouvia uma voz que lhe gritava para não o fazer. Mas ... fazer o quê? Viver? Deixar de viver? O QUÊ?

Não aguentou mais. Começou a correr. Não em direcção a um lado qualquer, mas com a certeza de que alguém estaria ‘lá’ quando chegasse. Corria com quantas forças tinha. Corria de olhos fechados, e vislumbrava pequenas cenas que lhe soaram a déjà-vu: um vulto ajoelhado junto ao mar, uns cabelos compridos ao vento, uma praia imensa. Abriu os olhos e estacou perplexo. A cena estava ali à sua frente. Gritou: Não faça isso!!!! Recomeçou a sua corrida só parando junto à figura de longos cabelos ajoelhada junto ao mar.
Ergueu os olhos e desmaiou. Caíu nos braços dele, não sem antes ter visto uns olhos negros e profundos.

Outubro/2003

2 de setembro de 2010

Opções

Cheguei a casa.
“É hoje que vou ao cinema” pensei eu...
Peguei no jornal habitual e avaliei as opiniões:

Filme A
Crítico 1 ***
Crítico 2 **
Crítico 3 ****
“Este não, vejamos…”


Filme B
Crítico 1 ****
Crítico 2 ***
Crítico 3 *****
“Bem, não é desta… Filme para dormir, na certa!”

Filme C
Crítico 1 ●
Crítico 2 ●
Crítico 3 ●
“Até que enfim, unanimidade! Vou sair já, para ter tempo de ver a sessão das 21h30m”

28 de agosto de 2010

O violino

Ele parou em frente daquela montra.
Algo brilhava lá dentro e chamava a sua atenção.
Algo despertava nele aquele instinto que há muito ele pensava estar apagado, tal como uma vela esquecida no fundo de uma gaveta.
Olhou em redor... ninguém!
As luzes apagavam-se. Já era manhã!
Uma última olhadela em redor. Ao fundo um casal perdia-se na rua deserta. Não resistiu. Partiu a montra e retirou de lá o violino hipotecado a semana anterior.
Sentou-se na borda do passeio e, num coro estranho com o alarme, começou a tocar uma suave melodia!


Fevereiro/1988

26 de agosto de 2010

Terra

Tudo começou com a compra daquele pedaço de terra. O homem cultivou-a, extraiu-lhe riquezas e… cansou-se de ter tão pouco.
Um amigo disse-lhe que mais para o Norte havia terras boas e, ainda mais importante, eram baratas!
Assim, o homem desfez-se das terras e, com a família, comprou outras terras, mas… voltou a cansar-se.
Outro amigo apareceu que lhe disse que mais para Norte existiam terras boas que pertenciam a índios, que não lhes ligavam nenhuma, e que lhas entregariam por tuta-e-meia. E ele lá foi. Desta feita, sozinho.
Chegado a estas terras, um índio disse-lhe:
“Tudo o que os teus olhos podem ver, é nosso. Tudo o que conseguires demarcar será teu, com a condição de estares de volta aqui ao pôr-do-sol”.
O homem concordou e partiu. Andou… Correu… Delimitou…
Olhou para a linha do horizonte – O sol estava quase a pôr-se e, numa tentativa final, fez uma última demarcação. Começou a correr. Desfaleceu a meio e não mais se ergueu.
Os índios enterraram-no e o Chefe disse:
“Sete palmos de terra, é tudo o que um homem precisa!”

11Jan1988

24 de agosto de 2010

Sorriso (ou não...!)

É verdade que hoje em dia já poucas pessoas dizem “bom dia” a quem não conhecem, mas devíamos, pelo menos, começar o dia com um sorriso. Recordo-me de uma frase que li algures, que dizia que se começarmos o dia com um sorriso o dia corre melhor. Outra verdade, e podemos sempre tentar pagar as contas com um sorriso. Sabem o que diz aquela anedota?!?
“ - Já experimentei... Querem dinheiro mesmo!”

23 de agosto de 2010

Era uma vez...

Gostava de me refugiar naquele conto infantil

Fazer de conta que sou o coelhinho sempre atrasado

Ou o gato que sorri sem corpo a toldar-lhe o riso

Beber chá que não existe em chávenas com açúcar imaginário

Aumentar de tamanho quando como um bolo de chocolate

Diminuir de tamanho quando o bolo é de nata

Escapulir-me por uma porta do dobro do meu tamanho

Desaguar num fio de água feito rio por ter chorado tanto

Navegar numa casca de noz com um rato grande como eu

E secar-me num jardim com guardas de cartas de jogar

E quando estivesse farta transformava-me na rainha de copas e gritava ‘Cortem-lhe a cabeça’

E acordava então à sombra de uma árvore ouvindo um conto numa voz melodiosa

‘Era uma vez....’

14 de agosto de 2010

Química

Sentam-se em dois bancos altos ao balcão do bar e pedem dois drinks. Olham-se longamente olhos nos olhos. Lentamente deslizam os olhos pelo corpo um do outro. Ela saboreia a bebida passando a língua nos lábios. Ele bebe em pequenos goles aflorando com os dedos a perna dela encostada suavemente à sua.


Encaminhados para uma mesa recatada ele desvia-lhe a cadeira e deixa as mãos pousadas nas costas da cadeira de tal forma subtil que a pele de ambos se toca brevemente. Ele senta-se e esboça um sorriso, admirado com o leve corar das faces dela. As suas pernas encontram-se debaixo da mesa e não se afastam. Trocam breves comentários sobre o prato a escolher. Decidem-se por um prato qualquer de peixe e um bom vinho. Sorvem o líquido em pequenos goles sem desviar os olhos um do outro. É como se tudo tenha parado no tempo e só eles existam no meio do restaurante repleto. Penetram um no outro mesmo sem o contacto da pele, apenas como olhar. Trocam olhares profundos sem um pestanejar e a conversa flui em torno de sensações, "déjà vus" e outras quimeras.

Saem para a noite com o estômago confortado e a boca seca de respirar o calor um do outro. Enquanto o carro rola pela estrada deserta, iluminada pela lua ao fundo, o calor aperta e a praia parece ser o local de destino de comum acordo sem nada de premeditado. Enquanto os pés descalços aumentam a distância da estrada e encurtam o caminho para o mar, o contacto físico estreita-se de modo a que apenas a lua na linha do horizonte seja testemunha da reacção química da fusão dos elementos da natureza - o mar ao fundo, a areia sob os pés descalços a brisa que sopra levemente e o fogo que vai sendo consumido pelos dois pela noite dentro.

11 de agosto de 2010

Momento

Não sei em que momento nos apercebemos que não estamos sós, mas deve ser algures entre o amanhecer e o anoitecer. Talvez no momento em que nos libertamos das amarras da paixão. Ou talvez na hora das bruxas... Naquele preciso instante em que nem a Lua se mostra por tímida, em que as estrelas se escondem em si próprias e preferem não nos alumiar o caminho. E a dor dessa descoberta acentua-se a cada dia em que me escondo em mim por achar que sou tão pouco e de todos por achar que são tanto!

10 de junho de 2010

Cinzento


Hoje lendo a palavra adeus o devaneio impunha-se que seguisse pela etimologia da palavra e não pelo significado nela impresso. Assim, temos “a” + “deus” que significa “para” “deus”, faltando a primeira parte da frase que será qualquer coisa como "encomendo-te" ou "entrego-te". Não será decerto palavra a empregar em vão. Parece coisa ruim… um Fim mesmo definitivo, pois que o Fim pode ser de alguma coisa e não de alguém. E questiono-me, como sempre o faço… Seria uma divagação sobre o Fim de alguma coisa e a recusa que esse Fim chegue ou um poema, belo por sinal como todos os poemas tristes o são, sobre o antecipar desse Fim e o não desejar vê-lo? Sempre foi apanágio ao longo dos meus alguns anos de vida, “enta” desde 2007 que “tudo é eterno enquanto dura” e nunca disse nenhum destes “a-deus” a ninguém a não ser à minha mãe. Talvez seja defeito meu, que vejo tantas áreas cinzentas à minha volta utilizar tantas vezes o nunca e o sempre, quando se tem tendência a ver exclusivamente branco e preto. Não deixa de ser curioso constatar que não querer antever um Fim é em si próprio Cinzento

16 de maio de 2010

mundo perfeito

Em algum mundo perfeito acordo com um beijo sem precisar de o reclamar, passo o dia com um sorriso na certeza de um reencontro ao fim de um longo dia de trabalho, mesmo que só tenham passado escassos minutos.

Na fria realidade envolvente em crescendo a cada dia que passa anseio pelo carinho que os meus olhos pedem, e ao final de um dia, passado vagarosamente por mim, pouco alento me resta para sobreviver ao cair da luz do dia.

12 de maio de 2010

... e eu corro ...

Ainda que nada o previsse ou que vagamente se notasse, pairava um ligeiro cheiro a tempestade no ar. Não sei se são as gaivotas que tão longe do mar esvoaçam que me fazem adivinhar tempestade ou se é o nevoeiro que se aproxima a passos largos do caminho que percorro rapidamente sem sequer ver as pedras do caminho. Os passos apressados fazem-me passar brevemente por uma clareira e, reparo eu, a visão baça não é do nevoeiro, são apenas as lágrimas que me escorrem pela cara abaixo e distorcem a realidade que de si já pouco tem de nítida. E começo a correr.
Assim como eu, será que é assim que os loucos (os outros loucos, penso eu de fugida...) vêm ao seu redor ou serei eu apenas um deles que saiu daquela casa amarela no início de um longo caminho de pedras amarelas.
Não vislumbro nem o homem de lata nem ninguém que canta que para além do arco-íris tudo é lindo e maravilhoso. Vejo apenas uma estrada interminável que sem saber onde comecei o caminho nem onde vou acabar a corrida de início lenta e depois a cada segundo mais apressada deixa que eu vislumbre ao longe o azul do mar que sempre gostei de admirar quando o meu desejo de voar cada vez mais alto se apoderava de mim. Nem sinto as pernas que de tão doridas já nem são minhas. Confundem-se com as pedras do caminho, fundem-se com o verde das ervas que despontam nos intervalos dos tijolos amarelos em que se transforma cada um que piso. E eu corro…
Sem abrandar o ritmo, vou olhando para trás do ombro e apercebo-me que deixo atrás de mim um rasto imenso de pegadas apressadas sobre um caminho feito de cinza pedra e pó. A cor sou eu que coloco nas pedras do caminho… o azul do mar não é azul, é cinzento porque vem aí tempestade e de repente cai uma chuvada … e eu corro sem vontade de parar pois já não preciso nem do descanso. As pernas têm vontade própria. O meu cabelo esvoaça e de repente não parece cabelo, parecem fiadas de algodão que alguém fiou e colocou na minha cabeça. Não me lembro de ter o cabelo assim tão branco… E eu corro …
Será que o esforço inumano de correr sem ter forças me deixou o cabelo branco? Detenho o olhar numa das poucas árvores que vejo ao longo do caminho. Um corvo observa-me e eu corro. Pressinto os olhos do corvo a acompanhar cada passo que dou tresloucadamente em direcção ao mar que agora me parece azul novamente. Nem dou pelas bátegas que se confundem na minha cara com as lágrimas que teimam em cair. Sei que continuam a cair porque sinto um leve saber a sal. E eu corro…
Chego a uma praia de seixos. Penso que devia descalçar-me mas afinal já não preciso… Será que em algum momento estive calçada ao longo do caminho desde aquele início daquela estrada que nem me lembro onde começou e nem sei onde vai acabar? Já não interessa, e eu corro...
Sinto finalmente, com alguma dose de satisfação, dor em todos os músculos do corpo, alguns que nem sabia que tinha e parece-me que talvez esteja na altura de parar de correr. Sinto os pés gelados da água que me bate bruscamente nas pernas e eu avanço apressadamente…. O mar é tão grande! A praia é imensa e eu vejo-a como se de repente tivesse visão panorâmica. Sei que estou sozinha e deslizo... Sinto que vou parar quando a força da maré combate a força que faço para avançar… e arrasto-me…
A água gelada chega finalmente ao meu pescoço e percebo que o meu cabelo está realmente branco e se confunde com o sal das ondas que batem agora por cima da minha cabeça.
Já não corro!

9 de maio de 2010

"Versailles"


Hoje sentei-me na Versailles aguardando inspiração para escrever.
Bebi um café e a única palavra que saiu foi dirigida ao empregado: ‘Obrigado’
Mas também...
Podia ter ido ao Nicola ou à Brasileira do Chiado procurar alguns vapores de inspiração de tempos idos. Mas não.
Pensei que aquele ar centenário fosse suficiente para me alimentar o espírito. Mas não.
Até que se fez luz – deixemo-nos de ilusões – só as pessoas são a verdadeira inspiração das pessoas.
É certo que o Mestre buscava inspiração no Sol, no montes, no luar, bastando-lhe isso mesmo, mas ... ele não existia.
A escrita para mim sempre foi um continuar da existência, mas sem fonte de inspiração, sem ter ninguém para quem escrever, de nada servia, até um dia ...

o primeiro "post" prosaico

Blog pensado e estruturado há muito tempo que vê agora a luz... ou talvez não!