Os textos são da minha autoria excepto quando explicitamente mencionado e as imagens são na sua maioria retiradas da internet.

@lexis

28 de agosto de 2010

O violino

Ele parou em frente daquela montra.
Algo brilhava lá dentro e chamava a sua atenção.
Algo despertava nele aquele instinto que há muito ele pensava estar apagado, tal como uma vela esquecida no fundo de uma gaveta.
Olhou em redor... ninguém!
As luzes apagavam-se. Já era manhã!
Uma última olhadela em redor. Ao fundo um casal perdia-se na rua deserta. Não resistiu. Partiu a montra e retirou de lá o violino hipotecado a semana anterior.
Sentou-se na borda do passeio e, num coro estranho com o alarme, começou a tocar uma suave melodia!


Fevereiro/1988

26 de agosto de 2010

Terra

Tudo começou com a compra daquele pedaço de terra. O homem cultivou-a, extraiu-lhe riquezas e… cansou-se de ter tão pouco.
Um amigo disse-lhe que mais para o Norte havia terras boas e, ainda mais importante, eram baratas!
Assim, o homem desfez-se das terras e, com a família, comprou outras terras, mas… voltou a cansar-se.
Outro amigo apareceu que lhe disse que mais para Norte existiam terras boas que pertenciam a índios, que não lhes ligavam nenhuma, e que lhas entregariam por tuta-e-meia. E ele lá foi. Desta feita, sozinho.
Chegado a estas terras, um índio disse-lhe:
“Tudo o que os teus olhos podem ver, é nosso. Tudo o que conseguires demarcar será teu, com a condição de estares de volta aqui ao pôr-do-sol”.
O homem concordou e partiu. Andou… Correu… Delimitou…
Olhou para a linha do horizonte – O sol estava quase a pôr-se e, numa tentativa final, fez uma última demarcação. Começou a correr. Desfaleceu a meio e não mais se ergueu.
Os índios enterraram-no e o Chefe disse:
“Sete palmos de terra, é tudo o que um homem precisa!”

11Jan1988

24 de agosto de 2010

Sorriso (ou não...!)

É verdade que hoje em dia já poucas pessoas dizem “bom dia” a quem não conhecem, mas devíamos, pelo menos, começar o dia com um sorriso. Recordo-me de uma frase que li algures, que dizia que se começarmos o dia com um sorriso o dia corre melhor. Outra verdade, e podemos sempre tentar pagar as contas com um sorriso. Sabem o que diz aquela anedota?!?
“ - Já experimentei... Querem dinheiro mesmo!”

23 de agosto de 2010

Era uma vez...

Gostava de me refugiar naquele conto infantil

Fazer de conta que sou o coelhinho sempre atrasado

Ou o gato que sorri sem corpo a toldar-lhe o riso

Beber chá que não existe em chávenas com açúcar imaginário

Aumentar de tamanho quando como um bolo de chocolate

Diminuir de tamanho quando o bolo é de nata

Escapulir-me por uma porta do dobro do meu tamanho

Desaguar num fio de água feito rio por ter chorado tanto

Navegar numa casca de noz com um rato grande como eu

E secar-me num jardim com guardas de cartas de jogar

E quando estivesse farta transformava-me na rainha de copas e gritava ‘Cortem-lhe a cabeça’

E acordava então à sombra de uma árvore ouvindo um conto numa voz melodiosa

‘Era uma vez....’

14 de agosto de 2010

Química

Sentam-se em dois bancos altos ao balcão do bar e pedem dois drinks. Olham-se longamente olhos nos olhos. Lentamente deslizam os olhos pelo corpo um do outro. Ela saboreia a bebida passando a língua nos lábios. Ele bebe em pequenos goles aflorando com os dedos a perna dela encostada suavemente à sua.


Encaminhados para uma mesa recatada ele desvia-lhe a cadeira e deixa as mãos pousadas nas costas da cadeira de tal forma subtil que a pele de ambos se toca brevemente. Ele senta-se e esboça um sorriso, admirado com o leve corar das faces dela. As suas pernas encontram-se debaixo da mesa e não se afastam. Trocam breves comentários sobre o prato a escolher. Decidem-se por um prato qualquer de peixe e um bom vinho. Sorvem o líquido em pequenos goles sem desviar os olhos um do outro. É como se tudo tenha parado no tempo e só eles existam no meio do restaurante repleto. Penetram um no outro mesmo sem o contacto da pele, apenas como olhar. Trocam olhares profundos sem um pestanejar e a conversa flui em torno de sensações, "déjà vus" e outras quimeras.

Saem para a noite com o estômago confortado e a boca seca de respirar o calor um do outro. Enquanto o carro rola pela estrada deserta, iluminada pela lua ao fundo, o calor aperta e a praia parece ser o local de destino de comum acordo sem nada de premeditado. Enquanto os pés descalços aumentam a distância da estrada e encurtam o caminho para o mar, o contacto físico estreita-se de modo a que apenas a lua na linha do horizonte seja testemunha da reacção química da fusão dos elementos da natureza - o mar ao fundo, a areia sob os pés descalços a brisa que sopra levemente e o fogo que vai sendo consumido pelos dois pela noite dentro.

11 de agosto de 2010

Momento

Não sei em que momento nos apercebemos que não estamos sós, mas deve ser algures entre o amanhecer e o anoitecer. Talvez no momento em que nos libertamos das amarras da paixão. Ou talvez na hora das bruxas... Naquele preciso instante em que nem a Lua se mostra por tímida, em que as estrelas se escondem em si próprias e preferem não nos alumiar o caminho. E a dor dessa descoberta acentua-se a cada dia em que me escondo em mim por achar que sou tão pouco e de todos por achar que são tanto!